Por Caio Gabrig Turbay
Para a Agência de Notícias da Universidade Federal do Sul da Bahia
Andar pelas praias de Arraial D’Ajuda, em períodos de marés cheias, é um desafio. Em muitos trechos, a praia é dominada por construções que avançam sobre a faixa de areia. O caminhante se vê obrigado a subir em muros ou encostar em paliçadas de madeira, sob risco de tomar um banho das ondas que arrebentam contra as construções.
Mas as estratégias de ocupação de áreas costeiras podem estar com os dias contados. É que o mar lentamente está pegando de volta as regiões roubadas pelo homem. Durante as marés mais altas, a força das ondas realiza a retomada das terras, enfraquecendo os muros e desenterrando as cercas de madeira. O trabalho é mais intenso durante as ressacas, quando as marés recebem a ajuda dos ventos e das ondas que chegam do oceano. No inverno, período em que acontecem grandes tempestades no Atlântico Sul, é comum a destruição de algumas construções. Os trabalhos de reconstrução de muros, aterros e cercas acontecem todos os anos.
Mas o problema não se limita apenas a Arraial D’Ajuda. Trechos da costa no sul da Bahia, ou mesmo do Brasil, sofrem com o problema da erosão costeira. Em Ponta Grande, uma saliência de terra em Porto Seguro, o trabalho constante da erosão obrigou a Prefeitura a colocar grandes blocos de rocha ao lado da estrada. A tentativa era para conter a força da natureza, mas os trabalhos de manutenção são rotineiros. Em Mucuri, extremo sul da Bahia, a administração pública sofre desde 2014 para conter o mar, que destrói ruas e casas. O mesmo acontece em Ilhéus, Prado e muitos outros municípios.

Na Ponta Grande, Porto Seguro, BA, A erosão costeira avança sobre construções e a estrada, obrigando a manutenção constante na pista.
Os problemas relacionados à erosão costeira ainda envolvem incertezas e a necessidade de estudos. Isso porque em curto prazo, em intervalos de dias, meses ou alguns anos, o litoral se transforma devido a causas naturais ou humanas. Entre essas causas, ocorrem modificações na intensidade e direção de ondas, tempestades e variações nos ventos e nas chuvas. O homem também modifica a costa através de obras de engenharia, alterando o transporte de sedimentos no litoral e aumentando a erosão em algumas partes.
Trabalhos publicados com o apoio do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, fortalecem o ponto de vista de que a erosão e as modificações na costa dos estados de Sergipe e Bahia, estão relacionadas às variações de curto prazo1.

As praias são formadas por areias e cascalhos trazidos do continente através de rios ou formados diretamente pela erosão marinha em rochas e depósitos sedimentares continentais. O processo de erosão costeira acontece pela ação de marés e ondas e funciona de forma dinâmica: a areia sai de um local e é transportada e depositada em outro.
No entanto, muitos dos estudos que comprovam as modificações de curto prazo, admitem a influência da elevação no nível dos oceanos, ocorridas em períodos de várias décadas, séculos ou mesmo milênios. São as modificações de longo prazo. As dúvidas na comprovação dessas modificações, só existem pelo fato de termos pouco tempo de monitoramento da nossa costa2, 3.
Estudos do professor Stephen Leatherman e colaboradores, do Laboratório de Pesquisas Costeiras da Universidade Internacional da Flórida, sugerem que variações milimétricas no nível dos oceanos do mundo, podem erodir, em ordem de grandeza, duas vezes mais4. Isso quer dizer que, um aumento médio de apenas 1 centímetro no nível do mar (ou 10 milímetros), pode ser responsável pela perda de um metro de praia. Outro artigo publicado na revista Nature em 2020, pelo pesquisador Thomas Frederikse, da Universidade de Pasadena, Califórnia, mostrou que desde o início do século XX, o nível dos oceanos do mundo já subiu cerca de 25 centímetros5.
O relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change), publicado em agosto de 2021, indica um aumento de 28 a 55 centímetros no nível dos oceanos até 2100. Isso em uma previsão otimista, caso as emissões de gases do efeito estufa (GEEs) sejam reduzidas. No pior cenário, teremos de 63 centímetros a um metro de subida até o fim do século6.
Partindo do pressuposto que uma parte considerável da população brasileira habita cidades à beira-mar, teremos grandes desafios ambientais, sociais e econômicos para serem resolvidos. Pior, segundo o IPCC, mesmo reduzindo as emissões dos GEEs, as modificações nos níveis dos oceanos no mundo irão perdurar por cerca de dois mil anos, com a elevação de dois a três metros.
Mas o que causa as variações do nível dos oceanos? O sistema climático terrestre, oscila entre períodos frios e períodos quentes. Esses períodos se alternam em milhares de anos e obedecem um equilíbrio entre a quantidade de calor que chega do sol e a retenção desse calor na atmosfera. O calor do sol fica na atmosfera através de GEEs, como o dióxido de carbono, o metano e o vapor d’água.
A intensidade de radiação no planeta, está relacionada às variações na atividade solar, ou mesmo aos ciclos orbitais da Terra, que fazem com ela, vez por outra, ao longo de milhares de anos, fique ligeiramente mais próxima ou mais distante do sol.
Muitos outros fatores também trabalham no aquecimento ou no resfriamento do planeta. O aumento nas emissões naturais de GEEs, como acontece nas erupções vulcânicas, favorecem o aquecimento global. Por outro lado, os vulcões também podem lançar cinzas muito finas na atmosfera, que bloqueiam a radiação solar, resfriando o planeta.
Organismos marinhos e plantas terrestres que fazem a fotossíntese ou constroem esqueletos calcários, capturam dióxido de carbono da atmosfera, auxiliando no resfriamento planetário. As chuvas também sequestram o dióxido de carbono e transformam em outros compostos químicos, através do intemperismo (apodrecimento) das rochas nos continentes.
Nos períodos mais frios da Terra, durante as glaciações, a água retirada dos oceanos, lagos e rios pela da evaporação, volta para a superfície como neve. Essa neve se acumula nos polos e no alto das montanhas e se transforma em geleiras. Com isso, o nível dos oceanos no mundo baixa. Foi assim há 12 milhões de anos, quando a calota de gelo antártica se formou, ou há cerca de 3 milhões de anos, quando o manto de gelo que recobre a Groenlândia atingiu sua espessura máxima. No sentido contrário, um aumento das temperaturas globais, a partir do efeito estufa, derrete as geleiras, favorecendo a subida dos oceanos.
A alternância de períodos frios e quentes é uma realidade durante o Quaternário, tempo geológico mais recente (últimos dois milhões de anos da história do planeta). Os tempos frios, foram responsáveis pela formação da maior parte das grandes geleiras que ainda existem nas regiões montanhosas do mundo, como os campos de gelo da Patagônia, aqui na América do Sul.

Os campos de gelo da Patagônia ocupam uma parte dos territórios andinos da Argentina e do Chile. Essas geleiras foram formadas durante as grandes glaciações do Quaternário. Com o aquecimento global, o gelo de milhares de anos está derretendo. Foto: Caio Gabrig Turbay

As regiões polares são sensíveis às variações climáticas no planeta. O aquecimento global é responsável pela perda de grande parte do gelo nos polos, principalmente na Groenlândia. A geleira Ecology, na Ilha Rei George, Antártica, recuou cerca de 500 metros nos últimos 35 a 40 anos. Como ela, outras geleiras na região insular da Antártica e no Ártico estão sendo perdidas, contribuindo com o aumento no nível dos oceanos e causando impactos que vão além da nossa compreensão. Foto: Caio Gabrig Turbay
No litoral nordeste do Brasil, registros geológicos mostram pelo menos 3 variações no nível do mar durante o Quaternário. Há cerca de 120 mil anos, o mar esteve por volta de 8 metros acima do nível atual. Há 18 mil anos, ápice de uma das grandes glaciações quaternárias, o nível do mar regrediu abaixo dos 100 metros. Após o último máximo glacial, há cerca de 12 mil anos, a Terra iniciou novamente o aquecimento. Na escala de tempo geológico, isso é bem recente. Em torno dos 5600 anos, o mar alcançou por volta de 3 a 4 metros acima do nível atual e posteriormente regrediu, chegando ao nível que observamos.
Seguindo a lógica da saída recente de um período frio (em escala tempo geológico), é natural pensar que a tendência ao aquecimento atmosférico é um caminho inevitável e natural, no entanto, a ação do homem tem retirado da Terra a capacidade de se auto regular. Em outras palavras, retiramos o carbono aprisionado nas camadas geológicas do planeta, nos solos e na biosfera, (como petróleo, carvão mineral, durante as queimadas, etc) e lançamos em quantidades enormes na atmosfera, como dióxido de carbono.

As falésias no litoral sul da Bahia, são evidências de que o nível dos oceanos esteve mais alto há cerca de 5.600 anos. Foto: Caio Gabrig Turbay

… Outra evidência são os recifes de corais fósseis, encontrados nas regiões de Ponta Grande e Coroa Vermelha. No passado esses recifes estavam submersos. Hoje compõem uma ampla planície de erosão marinha. Foto: Caio Gabrig Turbay
As simulações de aquecimento global realizadas pelo IPCC, mostram que sem a influência humana no planeta, as causas naturais do aquecimento global não seriam suficientes para atingir o aumento de temperatura já registrado ou que é esperado neste século.
Mas os efeitos do aquecimento atmosférico, não se refletem apenas na subida no nível dos oceanos e podem ser mais devastadores do que imaginamos. Eventos climáticos extremos, como grandes tempestades e ciclones, têm sido cada vez mais comuns, inclusive no Brasil. Nestes casos, os efeitos das variações de curto prazo, ou até mesmo as de longo prazo podem ser fortalecidos e o poder erosivo do mar amplificado.
Para além da discussão sobre os fatores responsáveis pela erosão costeira na Bahia, existe a certeza de que o nível dos oceanos no mundo está subindo e que os eventos climáticos extremos serão mais comuns. Esses fatos, demonstrados pela comunidade científica mundial, certamente atingirão nossos filhos e netos e parecem não fazer parte das preocupações da sociedade brasileira e dos governos.
O Estado da Bahia, apesar de ter criado o Fórum de Discussões sobre Mudanças Climáticas (Decreto 9519, de 2005) e possuir uma lei que institui políticas para mudanças climáticas no estado (Lei 12 050, de 2011), ainda não definiu ações práticas para as questões relacionadas à elevação no nível dos oceanos.
1- MUEHE, Dieter et al. PANORAMA DA EROSÃO COSTEIRA NO BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 761p, 2018.
2- MUEHE, Dieter; NEVES, C. F. A zona costeira do Brasil e sua vulnerabilidade face à ocupação e às mudanças climáticas. Espaço e Tempo: Complexidade e desafios do pensar e do fazer geográfico. Curitiba: ADEMADAN, p. 425-439, 2009.
3- SOUZA, Jacqueline Lopes; SILVA, Iracema Reimao; SANTOS, Rodrigo Alves. POLÍTICAS DE ADAPTAÇÃO FRENTE ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS GLOBAIS: ESTRATÉGIAS DE GESTÃO PARA AS PRAIAS DOMUNICÍPIO DE MATA DE SÃO JOÃO, LITORAL NORTE DA BAHIA, BRASIL. Geociencias, v. 39, n. 4, p. 1153-1166, 2020.
4- LEATHERMAN, Stephen P.; ZHANG, Keqi; DOUGLAS, Bruce C. Sea level rise shown to drive coastal erosion. Eos, Transactions American Geophysical Union, v. 81, n. 6, p. 55-57, 2000.
5- FREDERIKSE, Thomas et al. The causes of sea-level rise since 1900. Nature, v. 584, n. 7821, p. 393-397, 2020.
6- ALLAN, Richard et al. Climate change 2021: The physical science basis. Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), 2021.
Parabéns Professor!!! Trabalho maravilhoso🙏🌊🤙
Obrigado Leandro!
Muito bom esse artigo 👏👏👏👏👏
Obrigado Sandra! Continue nos acompanhando!
Excelente trabalho, serve de alerta ao povo e aos governantes em especial. A comunidade científica vem a anos alertando para a questão do aquecimento global, mas como anunciado no último parágrafo deste texto, boas intenções devem ser seguidas de boas ações, sem estas, não iremos a lugar nenhum.
Exatamente Reinaldo! Obrigado pelos comentários
Parabéns pelo trabalho! Estive em Prado em agosto de 2022 e nos momentos de maré alta o mar tomava toda faixa de areia, ainda, levou algumas cabanas, danificou a estrutura de diversas e das pousadas mais próximas. Situação me deixou bastante preocupado.
Esse problema será cada vez mais recorrente no Brasil Yan e infelizmente, nossos gestores ainda não abriram os olhos para isso!
que otimo trabalho Caio , parabéns.
belas fotos
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Oi Caio, só agora tive acesso a este texto por meio do Linkedin. Excelente, cara! Trabakho muito bem escrito e referenciado, parabéns! Esse é um tema que aprecio bastante e vou continuar me atualizando por aqui. Deixo também um artigo que publicamos há alguns anos sobre essas falésias no sul da Bahia, caso lhe interesse: https://revistas.ufrj.br/index.php/aigeo/article/view/29764
Um grande abraço,
Leonardo Oliveira
Valeu Leonardo! Estava com o site parado. Entrei agora e encontrei a sua mensagem. Abraços!