Meio Ambiente, Jornalismo & Divulgação Científica

Chuvas de fim de ano expõem a fragilidade de um Arraial D’ajuda abandonado

Por Caio Gabrig Turbay

Para a Agência de Notícias da UFSB

O distrito de Arraial D’Ajuda, Porto Seguro sofre com o crescimento, a urbanização desordenada e a ausência do poder público. Entre os problemas, estão a ocupação de áreas com riscos de enchentes e deslizamentos, como as margens dos rios e encostas. Com os eventos extremos sendo cada vez mais comuns, como as grandes chuvas, isso se torna perfeito para desastres. Foi o que aconteceu em dezembro de 2021, quando partes do Alto do Villas, um dos bairros de Arraial, encheram, levando famílias a deixar suas casas e perderem seus pertences.

Cíntia Miranda Piedade, 37 anos, é moradora do bairro há 2 anos. Ela conta que comprou seu terreno e começou a construir  a casa sem ter a noção do risco que ela e sua família estavam expostas: “Depois que a gente começou a construir, o vizinho do lado comentou que era pra gente fazer mais alto, porque uma vez, quando choveu muito, o meio ali encheu de água”. O “meio”, que ela aponta com dedo em riste, é uma área baixa no encontro de ruas. Nas chuvas de dezembro de 2021, próxima do feriado de natal, a água subiu cerca de um metro e meio e inundou quase todas as casas próximas, inclusive a de Cíntia: “no pior dia, a água veio parar aqui em cima”, disse ela, mostrando o nível na sua casa.


A Rua Maria Moura, Alto do Villas foi um dos locais mais afetados nas chuvas de dezembro. Uma família da localidade chegou a perder todos os pertences da casa.

Cerca de dois meses após as chuvas, já no carnaval de 2022, pouco havia sido feito pela prefeitura na localidade. Apenas montes de terra escavada, valetas e a promessa de colocação de manilhas para escoamento das águas das chuvas.


André Domingo, 59 anos, mora há nove no local. Ele mostra uma manilha grande, recém-colocada na rua de terra ao lado da sua casa e explica: “já tinha acontecido duas vezes. Na primeira, ela (a água), passava por cima da estrada. Mas de encher mesmo foi agora e ela veio aqui!”, diz André apontando o nível da água na sua casa, que fica ao lado de um córrego.

Luzia de Jesus, 53 anos, mora no bairro há sete.  Ela contou que as dificuldades de vida ali sempre foram grandes. Como não existe fornecimento público de água, os moradores recorrerem à pessoas que perfuraram poços artesianos para vender o serviço. Os valores podem chegar a 80 reais por mês. Luzia é otimista e fala que até pouco tempo atrás as condições de vida por lá eram bem piores: “Antes o lixeiro passava uma vez por semana e só nas ruas principais. Agora passa todos os dias!”. 

O Alto do Villas é um bairro relativamente novo em Arraial, que cresceu em dez, quinze anos. Renegado pela Prefeitura, ele não tem ruas calçadas, sistema de esgoto ou drenagem de águas de chuva. Além disso, a ocupação desordenada fez com que algumas casas fossem construídas em cima de locais onde naturalmente, as chuvas enchem e escoam.

Apesar de ser importante no cenário turístico da costa brasileira, muito além de suas praias paradisíacas, lojas e restaurantes sofisticados, Arraial possui esse lado não tão glamoroso, que sofre pelo descaso. Paradoxalmente, essa mesma região abriga grande parte da mão-de-obra mantenedora do turismo e geradora de renda.

A história do crescimento do distrito, não é muito diferente de muitas cidades no Brasil nas últimas duas ou três décadas. Os problemas passam pela falta de planejamento urbano, ausência do estado no ordenamento territorial, falta de investimentos em políticas públicas de saneamento e fornecimento de serviços básicos, aliados a alarmante corrupção política. Antes o que não preocupava, agora pode tirar o sono. O motivo disso é que, com as mudanças climáticas no planeta, os eventos extremos acabaram deixando muitas áreas urbanas vulneráveis às enchentes e aos deslizamentos de encostas. 

O crescimento desordenado das cidades brasileiras como Porto Seguro, caminhou para a favelização das periferias. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 10 anos o número de favelas no Brasil praticamente dobrou1. Para o IBGE e a Organização das Nações Unidas (ONU), a favela se caracteriza pelo acesso inadequado à estrutura de saneamento básico e água potável, baixa qualidade das residências, alta densidade na ocupação, além da insegurança e risco das propriedades2.


André Domingo mostra onde a água chegou na chuva do feriado de natal. André, como tantos outros moradores, não tinha consciência dos riscos a que ele e sua família estão expostos. 

A ocupação de áreas de proteção permanente (APPs) ou com riscos, é comum em Porto Seguro. Com as mudanças climáticas esses locais se tornarão vulneráveis. A orla de Arraial D’ajuda, por exemplo, é intensamente ocupada por construções e provavelmente sofrerá nos próximos anos e décadas com a erosão marinha e a elevação no nível dos oceanos no mundo. Para saber mais sobre APPs clique no link: https://actaterrae.com.br/wp-content/uploads/2022/01/Bloco-10.png

O descontrole ambiental é outra questão crítica do distrito. No Alto do Villas e no bairro Villas do Arraial, lixo e entulho são jogados por todos os cantos, criando forte impacto paisagístico. Muitos desses resíduos tem origem nas construções e hotéis das áreas nobres. Em meio a essa paisagem, turistas passeiam em quadriciclos e pessoas vivem suas rotinas diárias.


1- Aumento do número de favelas no Brasil é reflexo da desigualdade crescente, afirma Denise Morado: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/aumento-do-numero-de-favelas-no-brasil-e-reflexo-da-desigualdade-crescente-afirma-denise-morado#:~:text=O%20n%C3%BAmero%20de%20favelas%20no,para%2013.151%20em%20743%20cidades

2- Pretto, S.A. 2013. O conceito de favela/SLUM, sergundo o IBGE e a ONU. XXV Salão de Iniciação Científica UFRGS

11 Comments

  1. Alan xavier lino

    Precisamos agir juntos e com atitudes e práticas Sustentáveis…a Educação passa a ter mais Valor ainda.

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